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23 de maio de 2013

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Sempre que distraidamente via seu nome escrito
lembrava-se de seu apelido na escola primária:
Margarida Flores de Enterro.
Por que alguém não se lembrava de apelidá-la de
Margarida Flores do Jardim?
É que as coisas simplesmente não eram do seu lado.
Pensou uma bobagem: até a sua pequena cara era de lado.
Em esquina.
Nem pensava se era bonita ou feia. Ela era óbvia.
Depois. Depois não tinha problemas de dinheiro.
Depois havia o telefone. Telefonaria para alguém?
Mas sempre que telefonava tinha a impressão nítida de que
estava sendo importuna.
Por exemplo, interrompendo um abraço sexual.
Ou então era importuna por falta de assunto.
E se alguém lhe telefonasse?
Iria ter que conter o trêmulo da voz alegre
por alguém enfim chamá-la.
Supôs o seguinte:

- Trim-trim-trim.
- Alô? Sim?
- É Margarida Flores de Jardim?
Diante da voz masculina tão macia, responderia:
- Margarida Flores de Bosques Floridos!
E a cantante voz a convidaria para tomarem chá de tarde
na Confeitaria Colombo.
Lembrou-se a tempo que hoje em dia
um homem não convidava para tomar chá com torradas
e sim para um drinque. O que já complicaria as coisas:
para um drinque se deveria ir na certa vestida de modo
mais audacioso, mais misterioso, mais pessoal, mais…
Ela não era muito pessoal.
E que incomodava um pouco, não muito.

E, além do mais, o telefone não tocou.



(Clarice Lispector - A Bela e a Fera)








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